CONTINUIDADE DELETIVA
O julgamento do
Mensalão, aliás, da Ação Penal 470 (o PT não gosta que chamemos de
Mensalão) nos oportuniza, mesmo sendo leigos, aprender um pouco mais sobre
direito. Assistir as sessões do Supremo Tribunal Federal, especialmente nestes
dias de julgamento dos mensaleiros é tão importante quanto frequentar uma sala
de aula da Faculdade de Direito.
Continuidade Deletiva é um termo que vem sendo
usado seguidamente durante as sessões do STF, cujo significado segundo o art. 71, caput,
do CP identifica o crime continuado “quando o agente, mediante mais de uma ação
ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes
ser havidos como continuação do primeiro”. Portanto, nestas circunstâncias,
considera que a solução penal deve ser a aplicação da “pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
caso, de um sexto a dois terços”.
Li outro dia uma algo que me deixou meio
estarrecido. Uma mulher matou o marido. Descobriu que havia uma testemunha do
homicídio. Matou-a também. Foi condenada por um assassinato e por outro, e as
penas se somaram. Os advogados apelaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo
alegando que a segunda morte estava em continuidade delitiva. Perderam.
Apelaram ao STJ e ganharam! Ou por outra: o primeiro cadáver rendeu-lhe pena de
homicídio; o segundo foi considerado mero fator agravante. A mim me parece uma
decisão escandalosa! Queira Deus que o critério adotado pelo ministro
Lewandowski para o acréscimo das penas não faça escola também nessa área. Ele
estabeleceu que amplia a pena em apenas um sexto quando o crime se repete até
15 vezes; em um quarto, quando de 16 a 25; e só opta por um terço (nem cogita
os dois terços, limite possível da majoração) quando repetido mais de 25 vezes…
Aliás, não sei como aquele caso prosperou. A Súmula 605 do STF, que é de 1984,
deixa claro: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.
Pois é… O peculato pelo qual foi condenado Marcos Valério na Câmara, por
exemplo, guarda, por acaso, relação de “tempo, lugar e maneira de execução” com
o praticado no Banco do Brasil? Eles só têm uma coisa em comum: são dois
peculatos! Nem os comparsas são os os mesmos.
A desordem, nessa área, é grande. Ao mesmo tempo
em que temos 70 mil presos espalhados em cadeias Brasil afora, em situação
obviamente irregular e sem assistência judicial, há uma certa tradição firmada
da pena mínima no país quando os criminosos são julgados — mesmo nos chamados
crimes de sangue; mesmo nos chamados crimes contra a vida. Como esquecer o caso
emblemático da atriz Daniella Perez? Foi assassinada em 1992 com 18 — !!! —
golpes de material cortante perfureante. Os assassinos, Guilherme de Pádua e
sua então mulher, Paula, foram à delegacia consolar a mãe da atriz, a novelista
Glória Perez. Ele foi condenado a 19 anos de prisão; ela, a 18 anos e seis
meses. Deixaram a cadeia antes de cumprir sete anos de pena. Menos de sete anos
em regime fechado por um assassinato, cometido com requintes de crueldade e
posterior cinismo. Além de não parecer razoável, não é razoável!
O que uma coisa tem a ver com outra? Volto lá ao
ponto inicial. Esse laxismo nos crimes de sangue tem levado alguns setores a
fazer juízos exóticos no julgamento do mensalão. Inaceitável, isto sim, é que
se possa matar uma pessoa com requintes de crueldade e ficar em cana menos de
sete anos. De resto, um criminoso do colarinho branco pode, sim, ter uma pena
superior à de um homicida a depender do número de crimes que tenha praticado. E
ai como é que o leigo vai entender tudo isso? Só fazendo um curso de Direito.
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