Nove anos depois de as cotas raciais
começarem a ser implantadas nas universidades do País, a Câmara dos Deputados
pretende que elas sejam também aplicadas em eleições. Isso é um delírio de quem
propôs. A política de cotas, sob o pretexto de tratar desigualmente os
desiguais, trata desigualmente os iguais — vale dizer: fere o fundamento da
igualdade perante a lei, sem a qual não pode haver democracia digna do nome.
Isso é um despropósito para não dizer outra coisa. Segundo a proposta, o eleitor
daria o seu voto habitual e depois um outro, para preencher as cotas. Ora, isso
fere o fundamento primeiro da democracia, que é a liberdade de voto. Por que,
seja eu branco, mestiço ou negro, devo ser obrigado a escolher, no universo dos
candidatos autodeclarados negros, um representante?
Porque não impor aos partidos uma cota
de candidatos negros? Isso atenderia às demandas do cotismo, sem, no entanto,
agredir a liberdade de escolha do eleitor. Em tese ao menos, um maior número de
negros candidatos poderia resultar num maior número de negros eleitos. Os
partidos não tem que reservar 20% do número de candidatos da sua legenda para
as mulheres? Pois, que se adote o mesmo sistema. Não vai faltar amanhã, outra
anta que queira apresentar uma PEC - Projeto de Emenda a Constituição - para
estabelecer cotas para deficientes, por exemplo; para sindicalistas, para
advogados... viraria um Congresso de cotistas. Li um comentário de Reinaldo
Azevedo, escritor e jornalista em que ele pergunta: o que é ser negro? Eles já
não estariam fazendo parte do nosso Congresso?
Ele faz o seguinte raciocínio: Segundo o
IBGE em um levantamento feito em 2010, cujo registro decorrer da
autodeclaração, os negros propriamente formam 7,6% da nossa população. Caso a
Câmara fosse dividida segundo a cor da pele, o resultado seria este:
Brancos - 91.051.646 (47,73%) - 245
deputados
Pardos - 82.277.333 ( 43,13%) - 221
deputados
Negros - 14.517.961 ( 7,61% - 39
deputados
Amarelos - 2.084.288 (1,09% - 6
deputados
Indígenas - 817.963 (0,43%) - 2
deputados
Um outro exemplo para finalizar:
Vejam o caso do STF - Supremo Tribunal
Federal - o presidente da Corte é o ministro Joaquim Barbosa, um "negro
negro", não um "negro mestiço". Como negro, levando-se em conta
a tal divisão proposta em cotas, ele estaria na faixa dos 7,61% da população, o
que não garantiria nem mesmo um "representante" desse suposto grupo
na Corte. Mais: ainda considerando o critério e prosseguindo no exemplo do STF
precisaria nomear mais mulheres, até que atinja, pelo menos o número de seis. A competência e o notório saber seria apenas o segundo critério. Mas, na verdade, o que se observa é que se
deseja encabrestar o Congresso. Ora, no que concerne ao voto, esse direito já é
amplamente assegurado a todos, inclusive aos analfabetos, que só não podem ser
votados. Não há grupo social no Brasil que esteja impedido de votar ou que
tenha seu voto condicionado a essa ou àquela circunstância. A composição da
Câmara, dentro do modelo proporcional, reflete a vontade dos brasileiros. Há distorções,
sim! Essa distorção — ou aquela outra, que acaba elegendo o deputado sem voto
por causa da proporcionalidade — nada, rigorosamente nada, tem a ver com a
questão racial. Brancos, pardos, negros, indígenas, amarelos votam em quem bem
entenderem, sem qualquer patrulha ou restrição. Esse é o fundamento do voto
universal e da democracia.
O que o
deputado Luiz Alberto (PT-BA), autor do projeto juntamente com o mensaleiro
João Paulo pretende, isto sim, é subordinar metade do Congresso brasileiro aos
movimentos que têm a pretensão de dividir o Brasil em raças. Somos da raça
humana. Se a cor da pele nos distingue e se isso ainda traz prejuízos para
muitos brasileiros, precisamos investir mais na integração e menos no
confronto.