15/09/2012
Vocês
já viram a capa da revista VEJA. A reportagem traz informações estarrecedoras.
O publicitário Marcos Valério sabe que vai para a cadeia — e não será por pouco
tempo. E está, obviamente, infeliz e revoltado. Acha que será o principal
punido de uma cadeia criminosa que tinha, segundo ele, na chefia, ninguém menos
do que Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente da República — aquele mesmo
que, ao encerrar o segundo mandato, assegurou que iria investigar quem havia
inventado essa história de mensalão, “uma mentira”… Reportagem de capa de
Policarpo Júnior, na VEJA desta semana, revela, agora, um Marcos Valério amargo
e, como se vê, propenso a falar o que sabe — o que tem feito com alguns amigos.
Só que ele está com medo de morrer. Tem certeza de que será assassinado se
falar tudo o que sabe. Acho, no entanto, que ele deveria fazê-lo. Os que podem
estar interessados na sua morte temem justamente o que ele não contou — e a
melhor maneira de preservar o segredo é eliminando-o. Que peça proteção formal
ao Estado e preste um serviço aos brasileiros.
Na sessão de
quinta-feira do Supremo, num dia em que não temeu em nenhum momento o ridículo,
o ministro Dias Toffoli — que vinha tendo uma boa atuação até o julgamento do
mensalão (ele decida o que fazer de sua biografia!) — ensaiou uma distinção
politicamente pornográfica entre “o valerioduto” (cuja existência ele admitiu,
tanto que condenou o empresário) e o “mensalão como chama a imprensa”… Ficou
claro que o ministro acha que são coisas distintas, como se o empresário
tivesse delinquido, sei lá, apenas por interesse pessoal. A verdade, assegura
Valério, é bem outra. Abaixo, seguem trechos da reportagem de VEJA. Reputo como
o texto jornalístico mais explosivo publicado no Brasil desde a entrevista de
Pedro Collor às Páginas Amarelas da VEJA. Abaixo, uma síntese das nove páginas.
“O CAIXA DO PT
FOI DE R$ 350 MILHÕES”
A acusação do
Ministério Público Federal sustenta que o mensalão foi abastecido com 55
milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos
Rural e BMG, que se somaram a 74 milhões desviados da Visanet, fundo abastecido
com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério,
esse valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo
do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. (…) “Da SM P&B vão achar
só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões
de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B
nem com a DNA”.
LULA ERA O CHEFE
DO ESQUEMA, COM JOSÉ DIRCEU
Lula teria se empenhado pessoalmente na
coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham
algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora, sem registros
formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério,
se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam
dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao
então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão
e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha
e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da
captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos
determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José
Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: “Dirceu era
o braço direito do Lula, um braço que comandava”.
VALÉRIO SE
ENCONTROU COM LULA NO PALÁCIO DO PLANALTO VÁRIAS VEZES
A narrativa de Valério coloca Lula não
apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não
esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele
faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem
marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José Dirceu,
cujo gabinete ficava no 4º andar do Palácio do Planalto, um andar acima do
gabinete presidencial. (…) Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve
ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma sombria ressalva. “Não podem
condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio
e o Zé não falamos”, disse, na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o
ex-presidente não respondeu.
PAULO OKAMOTTO, ESCALADO PARA SILENCIAR
VALÉRIO, TERIA AGREDIDO FISICAMENTE A MULHER DO PUBLICITÁRIO
“Eu não falo com todo mundo no PT. O meu
contato com o PT era o Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada
dias atrás. É o próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: “O papel
dele era tentar me acalmar”. O empresário conta que conheceu o Japonês, como o
petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu
primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o procurou. “A
conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não
devia falar na CPI”, relembra. O pedido era óbvio. Okamotto queria evitar que
Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca
do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e
proteção. A relação se tornaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos
de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela
primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com
Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de
tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT
precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério
até hoje. “Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o
banheiro, chorando.”
O PT PROMETEU A
VALÉRIO QUE RETARDARIA AO MÁXIMO O JULGAMENTO NO STF
O empresário jura que
nunca recebeu nada do PT. Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em
torno de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão
no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. “Prometeram não
exatamente absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo’…
Amenizar”, conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo.
Procurado, Okamotto não se pronunciou.
“O DELÚBIO DORMIA
NO PALÁCIO DA ALVORADA”
Nos tempos em que
gozava da intimidade do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas
lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais do
mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do maior
escândalo de corrupção da história política do país. Valério lembra das vezes
em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema,
participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro
servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. “O Delúbio dormia no Alvorada.
Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou
registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem
registro.” O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma
dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT, Valério
conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu
Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi
Cristiano Paz, seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula.
EMPRÉSTIMOS DO
RURAL FORAM FEITOS COM AVAL DE LULA E DIRCEU
“O banco ia emprestar dinheiro para uma agência
quebrada?” Os ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos
concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o
mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com
garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um
favor a ele, mas ao governo Lula. “Você acha que chegou lá o Marcos Valério com
duas agências quebradas e pediu: ‘Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar
pro PT’? O que um dono de banco ia responder?” Valério se lembra sempre de José
Augusto Dumont, então presidente do Rural. “O Zé Augusto, que não era bobo,
falou assim: ‘Pra você eu não empresto’. Eu respondi: ‘Vai lá e conversa com o
Delúbio’. ”A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério,
não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. “Se você é um banqueiro, você nega
um pedido do presidente da República?”
Por Reinaldo Azevedo
15 de setembro de 2012
Mensalão movimentou R$ 350 milhões - Lula, com
Dirceu de braço direito, era o chefe - presidente recebia pessoalmente doadores
clandestinos - Publicitário se encontrou no Palácio com Dirceu e Lula várias
vezes - Delúbio, o tesoureiro, dormia com frequência no Alvorada.
* Clipping da revista Veja de hoje.
Marcos Valério envolve Lula no mensalão.
Rodrigo Rangel
Mensalão
Marcos Valério envolve Lula no
mensalão
Diante da perspectiva de terminar seus dias na cadeia, o
publicitário começa a revelar os segredos que guardava - entre eles, o fato de
que o ex-presidente sabia do esquema de corrupção armado no coração do seu
governo
Rodrigo
Rangel
NO INFERNO - O empresário Marcos
Valério, na porta da escola do filho, em Belo Horizonte, na última quarta-feira:
revelações sobre o escândalo (Cristiano Mariz)
Dos 37 réus do mensalão, o empresário Marcos Valério é o único que
não tem um átimo de dúvida sobre o seu futuro. Na semana passada, o
publicitário foi condenado por lavagem de dinheiro, crime que acarreta pena
mínima de três anos de prisão. Computadas punições pelos crimes de corrupção
ativa e peculato, já decididas, mais evasão de divisas e formação de quadrilha,
ainda por julgar a sentença de Marcos Valério pode passar de 100 anos de
reclusão. Com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é totalmente
improvável que ele termine seus dias na cadeia.
Apontado como responsável pela engenharia financeira que
possibilitou ao PT montar o maior esquema de corrupção da história, Valério
enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele confidenciou a pessoas próximas
detalhes do pacto que havia firmado com o partido. Para proteger os figurões,
conta que assumiu a responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e
manteve em segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o
"predileto" do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro,
de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas entranhas expostas pela
Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério guarda segredos
tão estarrecedores sobre o mensalão que ele não consegue mais guardar só para
si - mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa de ajuda dos poderosos a
quem ajudou, tenha um crescente temor de que eles possam se vingar dele de
forma ainda mais cruel.
Feita com base em revelações de parentes, amigos e associados, a
reportagem de capa de VEJA desta semana reabre de forma incontornável a questão
da participação do ex-presidente Lula no mensalão. "Lula era o
chefe", vem repetindo Valério com mais frequência e amargura agora que já
foi condenado pelo STF. Assinada pelo editor Rodrigo Rangel, da sucursal de
Brasília, a reportagem tem cinco capítulos - e o primeiro deles pode ser lido
abaixo:
"O caixa do PT foi de 350 milhões de reais"
Leandro Martins/Futura Pres
O CHEFE: Segredo guardados por Valério põem o ex-presidente Lula
no centro do esquema do mensalão
A acusação do Ministério Público Federal sustenta que o mensalão
foi abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos
Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se somaram a 74 milhões desviados da
Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do
Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é subestimado. Ele conta que o caixa
real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP.
Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões de
reais. "Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito
maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras
empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA", afirma o
empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com dinheiro oriundo
de operações tão heterodoxas quanto os empréstimos fictícios tomados por suas
empresas para pagar políticos aliados do PT. Havia doações diretas diante da
perspectiva de obter facilidades no governo. "Muitas empresas davam via
empréstimos, outras não." O fiador dessas operações, garante Valério, era
o próprio presidente da República.
Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a
engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo
federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro.
Muitos empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente,
combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto
petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido,
Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos
próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel
de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos
políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT,
com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o
chefe da quadrilha do mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um
braço que comandava". Valério diz que, graças a sua proximidade com a
cúpula petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade
real. Ele conta que a entrada e a saída de recursos foram registradas
minuciosamente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato,
o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões
de reais obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos tomados pela DNA e pela
SMP&B. Foram usados para remunerar correligionários e aliados. Os valores
calculados por Valério delineiam um caixa clandestino sem paralelo na política.
Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha
de Lula nas eleições presidenciais de 2002.