A NOTA DO PT COM ATAQUES AO STF
O PT divulgou uma extensa
nota contra o Supremo Tribunal Federal por conta do julgamento do mensalão. Por
incrível que possa parecer, acusa o tribunal de “partidarismo”. Lula e Dilma,
juntos, indicaram 8 dos 11 (e depois dos dez) ministros que participaram do
julgamento. A nota cita explicitamente o caso de José Dirceu, mas não toca nos
nomes dos outros petistas graúdos condenados: José Genoino, Delúbio Soares e
João Paulo Cunha. Não fica claro se, nesses casos, considera justas as
respectivas condenações.
Trata-se, creio,
da maior coleção de imposturas dos últimos anos da política brasileira. Leiam
as sandices do PT.
O PT E O JULGAMENTO
DA AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no
princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância
da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470,
condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.
1. O STF não
garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus
que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a
instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do
direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente
consagrado.
A Constituição
estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da
República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o
Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente
pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os
membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão
que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o
desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha
decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos,
duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale lembrar,
finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de
processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira
instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma
só vez.
Por isso mesmo, o PT
considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora
condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor
de prova a indícios
Parte do STF decidiu
pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi
isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi
influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco
ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do
uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações,
deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.
À falta de elementos
objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas
probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode
condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam
simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre
convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca
evidências ou provas cabais.
Cabe à acusação
apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e,
assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se
aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua
defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o
ônus da prova.
3. O domínio
funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto
legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em
plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta
doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou
poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização.
Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao lançarem mão da
teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro
José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado,
mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes.
Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se
consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do
STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu
“tinha como não saber”…
Ao admitir o ato de
ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade
objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que
é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma
interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar
pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da
insegurança jurídica
As decisões do STF,
em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa,
do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que
a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que
houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança
jurídica no País.
Pairam dúvidas se o
novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de
primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes
inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em
que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do
fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários
locais.
Quanto à suposta
compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais,
como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações
diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com
o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a
insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da
Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de
ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um
julgamento político
Sob intensa pressão
da mídia conservadora — cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo
e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT — ministros do STF confirmaram
condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos
autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao
Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da
República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato
vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal – assim como os
demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior – faz política. E o
fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao
definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política
ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato
para compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua
natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se
contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do
processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria
pautar seus julgamentos.
No STF, venceram as
posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora
neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em
delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos
marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento,
nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar
processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar
criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois
resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos
autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta
forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de
testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras
contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências
terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.
Alguns ministros
procuraram adequar a realidade à denúncia doProcurador Geral,
supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só
se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade
pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se
quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de
parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no
resultado das eleições.
A luta pela Justiça
continua
O PT envidará todos
os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da
Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos
por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente – que o
PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação
no Congresso Nacional – não justificam que o poder político da toga suplante a
força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT,
que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos
de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos
brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da
República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma,
gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas
transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais
pobres.
A despeito das
campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo
estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões
ascenderam socialmente.
Abriram-se novas
oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6ª.economia do mundo e é
respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos
antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve
compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a
parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas
denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e
pessoal.
Ao mesmo tempo,
reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos
cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura
equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo
linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá
forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda
reforma do sistema político – o que inclui o financiamento público das
campanhas eleitorais – e pela maior democratização do Estado, o que envolve
constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no
julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para
que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa
militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o
partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada
vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da
liberdade.
São Paulo, 14 de
novembro de 2012.
Comissão Executiva
Nacional do PT