A maior reforma da Igreja Católica dos últimos
tempos está para acontecer, depois que o papa Francisco apresentou neste meio
de semana a Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”
É o primeiro documento do novo papa e traça o caminho
para a Santa Sé nos próximos anos. Documento propõe “nova etapa de
evangelização” e “conversão” da Igreja.
Na proposta o papa sugere a
“descentralização” da Igreja e apresenta o
plano da maior reforma feita no Vaticano em pelo menos meio século. No primeiro
documento de seu próprio punho apresentado, o papa Francisco explica em mais de
200 páginas seu projeto para o futuro da Igreja, lançando duros ataques contra
sacerdotes e denunciando a guerra pelo poder dentro dos muros da Santa Sé.
E os fiéis aqui de fora achando que na Santa
Sé tudo é uma maravilha!!!
No documento o papa faz um convite aos
católicos para uma nova etapa de evangelização e indica direções para o caminho
da Igreja nos próximos anos. A estas alturas Bispos, Presbíteros, Diáconos
às pessoas consagradas e aos fieis laicos já devem ter recebido a carta de
Francisco sobre o Anuncio do Evangelho no Mundo Atual.
Segundo a assessoria do papa, ele insiste nos
aspectos positivos e otimismo e admite que o sumo sacerdote é “franco”. O foco
é o amor. Francisco apela à Igreja a “recuperar a frescura original do
Evangelho”, mas através de “novas formas” e “métodos criativos”. “Precisamos de
uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como elas
são”.
Uma parte central de seu trabalho será o de
“reformar as estruturas eclesiais” para que “todas se tornem mais
missionárias”.
O recado é claro: promover uma “saudável
descentralização” na Igreja, num gesto inédito vindo justamente da pessoa que
representou por séculos a centralização da instituição e sempre lutou contra
repartir poderes. A esperança é de que as conferencias episcopais possam
contribuir para “o sentido de colegialidade”.
A descentralização apontaria até mesmo para a
abertura de espaços para diferentes formas de praticar o catolicismo. “O
cristianismo não dispõe de um único modelo cultural e o rosto da Igreja é
multiforme”, escreveu. “Não podemos esperar que todos os povos, para expressar
a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado
momento da historia”. Para o papa, teólogos precisam ter em mente “a finalidade
evangelizadora da Igreja”.
Nem o próprio papa estaria isento da reforma.
Sua meta é a de promover uma “conversão do papado para que seja mais fiel ao
significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da
evangelização”.
A burocracia e a aristocracia da Santa Sé
também precisa ser revista. “Nesta renovação não se deve ter medo de rever
costumes da Igreja não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos
mais profundamente enraizados ao longo da história”.
Bergoglio insiste que prefere “uma igreja
ferida e suja por ter saído às estradas, em vez de uma igreja preocupada em ser
o centro e que acaba prisioneira num emaranhado de obsessões e procedimentos”.
Um dos pontos centrais é ainda a abertura da
Igreja aos fieis. “Precisamos de igrejas com as portas abertas” para evitar que
aqueles que estão em busca de Deus encontrem “a frieza de uma porta fechada”.
“Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo”,
escreveu.
A escolha dos fieis que deveriam comungar
também é atacado pelo papa. “A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos,
mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”, alertou.
O documento ainda lança severas críticas a
padres e sacerdotes. O papa pede que se evitem as “tentações” do individualismo
e alerta que “a maior ameaça é o pragmatismo incolor da vida quotidiana da
Igreja, quando na realidade a fé se vai desgastando”.
Pedindo uma “revolução de ternura”, o papa
critica “aqueles (religiosos) que se sentem superior aos outros” e que apenas
fazer obras de caridade não seria o suficiente. O papa também ataca os
sacerdotes que “em vez de evangelizar, classificam os outros”, adotando um
“certo estilo católico próprio do passado”.
Bergoglio também ataca os religiosos que tem
“um cuidado ostensivo da liturgia, da doutrina e do prestigio da Igreja, mas
sem que se preocupem com a inserção real do Evangelho” as necessidades das
populações. “Esta é uma tremenda corrupção com a aparência de bem. Deus nos
livre de uma igreja mundana sob cortinas espirituais ou pastorais”.
As batalhas por poder dentro do Vaticano
também são alvos de ataques do papa contra a Igreja. Ele apela para que as
comunidades eclesiais “não caiam nas invejas e ciúmes”. “Dentro do povo de
Deus, quantas guerras”, lamenta o argentino. “A quem queremos evangelizar com
estes comportamentos?”, atacou, indicando um “excesso de clericalismo”.
O papa ataca o “elitismo narcisista” entre os
cardeais. “O que queremos? Generais de exércitos derrotados? Ou simplesmente
soldados de um esquadrão que continua batalhando?”, questionou.
Até mesmo as homilias são alvos de ataque do
papa. “São muitas as reclamações em relação a este importante ministério e não
podemos fechar os ouvidos”. Bergoglio insiste que ela não deve ser nem uma
conferencia e nem uma aula. “Temos de evitar uma pregação puramente moralista”.
Um ataque especial vai também aos religiosos
que não se preparam devidamente para as missas. “Um pregador que não se prepara
não é espiritual, é desonesto e irresponsável”, escreveu. Quanto às confissões,
o argentino é ainda mais duro: “não se trata de uma câmara de tortura”.
O papa volta a defender um maior papel da
mulher dentro da Igreja. “Ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma
presença feminina mais incisiva na Igreja, nos diferentes lugares onde são
tomadas decisões importantes”, defendeu. “As reivindicações dos direitos
legítimos das mulheres não se podem sobrevoar superficialmente”, apontou.
O papa deixa claro a posição da Igreja
contrária ao aborto. “Entre os fracos que a Igreja quer cuidar estão as
crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais
hoje se quer negar a dignidade humana”, escreveu.
“Não se deve esperar que a Igreja mude a sua
posição sobre essa questão. Não é progressista fingir resolver os problemas
eliminando uma vida humana”, declarou.
Bergoglio ainda destina uma parte importante
de seu texto à situação mundial e não deixa de atacar o modelo econômico que
prevalece. “O atual sistema econômico é injusto pela raiz”, declarou. “Esta
economia mata porque prevalece a lei do mais forte”.
“Os excluídos não são explorados, mas lixo,
sobras”, atacou. “Vivemos uma nova tiraria invisível, por vezes virtual de um
mercado divinizado onde reina a especulação financeira, corrupção ramificada,
evasão fiscal egoísta”. O dinheiro, segundo ele, deve servir, e não dominar.
Para ele, esse modelo estaria promovendo uma
“crise cultural profunda” nas famílias. “O individualismo pos-moderno e
globalizado promove um estilo de vida que perverte os vínculos familiares”,
alertou.
O papa ainda apela para que a Igreja não
tenha medo de se envolver nos debates políticos e que faça parte da luta por
influenciar grupos políticos para garantir maior justiça social. Para ele, os
pastores tem “o direito de emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a
vida das pessoas”, escreveu. “Ninguém pode exigir de nos que releguemos a
religião à secreta intimidade das pessoas”, declarou.
Sua luta contra a pobreza também fica claro
no documento. “Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres,
não se resolverão os problemas do mundo”, declarou, fazendo um apelo aos
políticos. Em seu documento, ele volta a defender os “mais fracos”, os
“sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados” e apela a países que
promovam uma “abertura generosa” aos imigrantes. Para ele, existem “muitos
cúmplices” nesses crimes.
O argentino, porém, não deixa de apelar
“humildemente” aos países muçulmanos que garantam a liberdade religiosa para os
cristãos, “tendo em conta a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos
países ocidentais”. “Uma adequada interpretação do Corão se opõe a toda a
violência”, defendeu. Bergoglio, porém, insiste na necessidade de fortalecer
o diálogo e a aliança entre crentes e não-crentes.
Apesar dos desafios, o papa insiste que os
fieis não devem desistir. “Se eu conseguir ajuda pelo menos uma única pessoa a
viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida”,
concluiu.