segunda-feira, 7 de janeiro de 2013


CONTINUIDADE DELETIVA

O julgamento do  Mensalão, aliás, da Ação Penal 470 (o PT não gosta que chamemos de Mensalão) nos oportuniza, mesmo sendo leigos, aprender um pouco mais sobre algumas terminologias em direito. Assistir as sessões do Supremo Tribunal Federal, especialmente nos dias de julgamento dos mensaleiros foi tão importante quanto frequentar uma sala de aula da Faculdade de Direito. Por exemplo, o que é Continuidade Deletiva?

É um termo que foi usado constantemente durante as sessões do STF, cujo significado segundo o art. 71, caput, do CP identifica o crime continuado “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro”. Portanto, nestas circunstâncias, considera que a solução penal deve ser a aplicação da “pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.

Li outro dia algo que me deixou meio estarrecido. Uma mulher matou o marido. Descobriu que havia uma testemunha do homicídio. Matou-a também. Foi condenada por um assassinato e por outro, e as penas se somaram. Os advogados apelaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo alegando que a segunda morte estava em continuidade delitiva. Perderam. Apelaram ao STJ e ganharam. Ou por outra: o primeiro cadáver rendeu-lhe pena de homicídio; o segundo foi considerado mero fator agravante. A mim me parece uma decisão escandalosa! Queira Deus que o critério adotado pelo ministro Lewandowski para o acréscimo das penas não faça escola também nessa área. Ele estabeleceu que amplia a pena em apenas um sexto quando o crime se repete até 15 vezes; em um quarto, quando de 16 a 25; e só opta por um terço (nem cogita os dois terços, limite possível da majoração) quando repetido mais de 25 vezes… Aliás, não sei como aquele caso prosperou.

Uma sumula do STF, que é de 1984, deixa claro: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

Pois é… O peculato pelo qual foi condenado Marcos Valério na Câmara, por exemplo, guarda, por acaso, relação de “tempo, lugar e maneira de execução” com o praticado no Banco do Brasil? Eles só têm uma coisa em comum: são dois peculatos! Nem os comparsas são os os mesmos.

A desordem, portanto, nessa área, é grande. Ao mesmo tempo em que temos 70 mil presos espalhados em cadeias Brasil afora, em situação obviamente irregular e sem assistência judicial, há uma certa tradição firmada da pena mínima no país quando os criminosos são julgados — mesmo nos chamados crimes de sangue e nos chamados crimes contra a vida. Como esquecer o caso emblemático da atriz Daniella Perez? Foi assassinada em 1992 com 18 — !!! — golpes de material cortante perfureante. Os assassinos, Guilherme de Pádua e sua então mulher, Paula, Foram condenados, ele a 19 anos de prisão; ela, a 18 anos e seis meses. Deixaram a cadeia antes de cumprir sete anos de pena. Menos de sete anos em regime fechado por um assassinato, cometido com requintes de crueldade e posterior cinismo. Além de não parecer razoável, não é razoável!

O que uma coisa tem a ver com outra? Volto lá ao ponto inicial. Esse laxismo nos crimes de sangue tem levado alguns setores a fazer juízos exóticos no julgamento do mensalão. Inaceitável, isto sim, é que se possa matar uma pessoa com requintes de crueldade e ficar em cana menos de sete anos. De resto, um criminoso do colarinho branco pode, sim, ter uma pena superior à de um homicida a depender do número de crimes que tenha praticado. E ai como é que o leigo vai entender tudo isso? Só fazendo um curso de Direito mesmo.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário