NA ADVERSIDADE SE CONHECEM OS AMIGOS

É preciso que haja infelicidade, infortúnio, revés, para você saber quem verdadeiramente são seus amigos. Para quem já passou por essa experiência não estou dizendo nenhuma novidade.

Eu conheço alguém que possuía uma vida estável, mas modesta, e que certo dia viu se descortinar sobre si os contratempos, os dissabores e o desprazer de viver. A história desse alguém eu conheço porque parte dela acompanhei.

Como é triste ver, de uma hora para outra, alguém que vivia como  vivem tantas pessoas da classe média faltar-lhe o chão!!!!
O poeta Álvaro Campos retrata em versos a situação vivida por esse amigo:
"Esta velha angústia,

Esta angústia que trago em mim,

Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!"
A caida foi tão vertical que ele e sua familia chegaram a se alimentar, por mais de uma  semana com pipóca.