Acaba
de chegar às livrarias do país o livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela
Arbex que faz revelações impressionantes, inimagináveis e que jamais poderíamos
supor existisse no Brasil.
O
holocausto nazista que matou mais de seis milhões de judeus na última Guerra Mundial
de forma brutal e desumana pelo regime imposto por Adolf Hitler, em proporções
menores, evidentemente, e em pleno regime democrático também dizimou sessenta
mil brasileiros em manicômio em Minas Gerais.
O
livro conta a história de hospício em Barbacena que arrecadou R$ 600 mil com
venda de corpos humanos. A história é horrível e inacreditável. Vale a pena ler
o livro.
Milhares
de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram
os jornalistas. (...) Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as
cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Um deles se agachou
e bebeu água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia
fezes e urina no lugar de água. No pátio, carnes eram cortadas no chão. O
cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo
instante. Tudo isto é narrado em detalhes no livro.
A
situação acima foi presenciada pelo fotógrafo Luiz Alfredo da extinta revista O
Cruzeiro em 1961 e está descrita nesse livro-reportagem Holocausto Brasileiro,
da editora Geração Editorial, que está sendo vendido nas livrarias de todo o
País. Ainda que tenha semelhanças com um campo de concentração nazista, o caso
aconteceu em um manicômio na cidade de Barbacena, Minas Gerais, onde ocorreu um
genocídio de pelo menos 60 mil pessoas entre 1903 e 1980.
Apesar
de ser uma história recente, o fato de um episódio tão macabro permanecer
desconhecido pela maioria dos brasileiros inspirou a jornalista Daniela Arbex. Ela
conta a história do maior hospício do Brasil, que ficou conhecido como Colônia
e leva este nome por ter abrigado atos de crueldade parecidos com os que aconteceram
na Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.
“Dei
esse nome primeiro porque foi um extermínio em massa. Depois porque os
pacientes também eram enviados em vagões de carga (ao manicômio). Quando eles
chegavam, os homens tinham a cabeça raspada, eram despidos e depois
uniformizados”, explica a autora. Daniela não foi a única a comparar Colônia ao
holocausto. No auge dos fatos, em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia
visitou o hospício com a intenção de tentar reverter o que ocorria no local.
“Estive hoje num campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo
presenciei uma tragédia como essa”, disse na ocasião.
A
Colônia foi inaugurada em 1903 e continua aberta até hoje, mas o período de
maior barbárie aconteceu entre 1930 e 1980, quando pessoas eram internadas sem
terem sintomas de loucura ou insanidade. Segundo o livro-reportagem, cerca de
70% das pessoas não tinham diagnóstico de doença mental. “Foi o momento mais
dramático. A partir de 1930, os critérios médicos desapareceram. Em 1969, com a
ditadura, o caso foi blindado. Não gosto de chamar assim, mas (entre 1930 e
1980) foi um período negro. Foi criado para atender pessoas com deficiência
mental, mas acabou sendo usado para colocar pessoas indesejadas socialmente,
como gays, negros, prostitutas, alcoólatras”, contou.
A
jornalista Daniela contou ainda que a ordem para internação das pessoas na
Colônia vinha dos mais influentes da sociedade na época. “Quem decidia é quem
tinha mais poder. Tiveram pessoas que foram enviadas pela canetada de
delegados, coronéis, maridos que queriam se livrar da mulher para viver com a
amante. Não tinha critério médico nenhum. Tem documento que mostra que o motivo
da internação de uma menina de 23 anos foi tristeza”, criticou.
Ao
chegarem ao manicômio, os internados tinham uma rotina “desumana”. Eles dormiam
juntos em salas grandes sem cama. Todos tinham que se deitar sobre o chão do
cômodo, que era coberto apenas por capim. Acordavam por volta das 5h da manhã e
eram enviados para os pátios, onde ficavam até 19h, todos os dias. “Barbacena é
uma cidade muita fria. Até hoje tem temperatura muito baixa para os padrões
brasileiros. Pessoas eram mantidas nuas nos pátios em total ociosidade. Pensa
bem que condição subumana”, disse a jornalista.
Além
disso, a alimentação na Colônia era precária, o que causou a desnutrição e,
consequentemente, o desenvolvimento de doenças em vários dos “pacientes”. “Eles
tinham uma alimentação muito pobre, de pouca qualidade nutritiva. Muitas
pessoas passavam fome. Tem histórias de gente que em momento de desespero comeu
ratos ou pombas vivas. (...) As pessoas acabavam tendo sede e bebiam urina ou
esgoto porque tinha fossas no pátio. Não tinha nenhuma privacidade. Até 1979
era assim, faziam xixi e cocô na frente de todo mundo", explicou.
O
fato dos homens, mulheres e até crianças ficarem pelados o tempo todo criava um
clima de promiscuidade no manicômio. Há relatos de mulheres que foram
estupradas por funcionário. “Consegui depoimentos nesse sentido de (estupro e
abuso sexual), mas não consegui provar. Tem um caso de uma mulher que disse ter
engravidado de um funcionário. Certo é que havia uma promiscuidade incrível. As
pessoas eram mantidas nuas, dormindo juntas nessas condições. Crianças eram
mantidas no meio dos adultos”, lamentou.
Além
das condições insalubres, o hospício chegou a ter 5.000 pessoas ao mesmo tempo,
enquanto a capacidade original era para 200 pacientes. Nesses períodos de maior
lotação, 16 pessoas morriam todos os dias. “Não era uma coisa determinada, não
existia uma ordem (para matar). As coisas foram se banalizando. Um funcionário
via que outro fazia tal coisa com o paciente e repetia. As pessoas deixaram as
coisas acontecerem. Não tinha essa coisa de vamos fazer com essa finalidade.
Era exatamente por omissão”, comentou.
Mas
a morte dava lucro. A autora do livro narra que encontrou registros de venda de
1.853 corpos, entre 1969 e 1980, para faculdades de medicina. “O que a gente
não sabia e conseguimos descobrir, com a ajuda da coordenação do Museu da
Loucura, foi que 1.853 corpos foram vendidos para 17 faculdades de medicina do
País. O preço médio era de 50 cruzeiros. Dá um total de R$ 600 mil reais, se
atualizarmos a moeda. Tem documento da venda de corpos. De janeiro a junho de
um determinado ano, por exemplo, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
recebeu 67 peças, como eles mencionavam os corpos”, afirma.
Depois
de algum tempo, o mercado deixou de comprar tantos cadáveres. Os funcionários
passaram, então, a decompor os corpos dos mortos com ácido no pátio da Colônia,
diante dos próprios pacientes, para comercializar também as ossadas.
O
caos estabelecido na Colônia foi descoberto pela revista O Cruzeiro, que
publicou em 1961 uma reportagem de denúncia de José Franco e Luiz Alfredo,
entrevistado por Daniela Arbex no livro. A autora conta que, na época, houve
comoção em torno do caso, mas as condições continuaram as mesmas no hospício.
“Na época, o (ex-presidente) Jânio Quadros estava no poder. Ele falou que ia
mandar dinheiro para a Colônia, falaram que ia fazer acontecer e nada. Não foi
feito nenhum tipo de intervenção que fizessem os absurdos cessar. De 1961 até
1979, a situação continuou tão grave quanto”, explica.
As
“atrocidades” no hospício só começaram a diminuir quando a reforma psiquiátrica
ganhou fôlego em Minas Gerais, em 1979. Hoje, o manicômio é mantido pela
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) e conta com 160
pacientes do período em que o local parecia mais um “campo de concentração”.
Ninguém nunca foi punido pelo genocídio.
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