UM PUM QUE
RESULTOU EM PROCESSO
Como prometi,
segue a baixo a estória contada por um Promotor de Justiça que passou por maus
bocados em uma audiência onde um “pum” resultou em processo. A estória é a
seguinte: Um Promotor de Justiça do Rio de atendendo um pedido do Procurador
Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público) da época ligou e pediu para “eu
colaborasse com uma colega da comarca vizinha que estava enrolada com os
processos e audiências dela. Lá fui eu prestar solidariedade à colega. Cheguei e
combinamos que eu ficaria com os processos criminais e ela faria as audiências
e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, naquele dia, eu fazer as
audiências, aproveitando que já estava ali. Tudo bem. Lá fui eu para primeira
audiência do dia: um crime de ato obsceno cuja lei diz:
Ato obsceno, Art.
233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena
– detenção, de três meses a um ano, ou multa. Lendo os autos fiquei sabendo que
um cidadão cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em palavras
mais populares, soltou um "pum", dentro de uma agência bancária e o
guarda de segurança incomodado, deu voz de prisão em flagrante ao cliente porque
entendeu que ele fez aquilo como forma de deboche da figura do segurança, de
sua autoridade. Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do Direito
Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, de urbanidade, enfim… Imagina
se todo pum do mundo se transformasse num processo? O cheiro dos fóruns seria
insuportável. O réu era do interior com idade aproximadamente, uns
70 anos. Eis a audiência:
Juiz – Consta aqui da
denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano
tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade
livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade
intestinal, depois de olhar para o guarda de forma debochada, causando odor
insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só,
impediu que elas pudessem ficar na fila.
Esses fatos são
verdadeiros?
Réu – Não entendi essa
parte da ventosidade…. o que mesmo?
Juiz – Ventosidade intestinal.
Juiz – Ventosidade intestinal.
Réu – Ah sim, ventosidade
intestinal. Então, essa parte é que eu queria que o senhor me explicasse
direitinho.
O Juiz não percebeu que o
réu não estava entendendo nada do que ele estava dizendo.
Réu – O guarda estava lá,
eu estava na agência, me lembro que ninguém mais ficou na fila, mas eu não
roubei ventosidade de ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e
trabalhador, doutor juiz “meretrício”.
O juiz se ofendeu de ser
chamado de meretrício.
Juiz – Em primeiro lugar,
eu não sou meretrício, mas sim meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo
que o senhor roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. O
senhor está me entendendo?
Réu – Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos.
Réu – Quais fatos?
Réu – Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos.
Réu – Quais fatos?
O juiz nervoso como que
perdendo a paciência e alterando a voz repetiu.
– Esses que eu acabei de
narrar para o senhor. O senhor não está me ouvindo?
Réu – To ouvindo sim, mas
o senhor pode repetir, por favor. Eu não prestei bem atenção.
O juiz, visivelmente
irritado, repetiu a leitura da denúncia e insistiu na tal da ventosidade
intestinal, mas o réu não alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar,
embora não devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia estapafúrdia e
descabida.
EU – Excelência, pela
ordem. Permite uma observação? É só para dizer para o réu que ventosidade
intestinal é um peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica
daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a promotora que fez
essa denúncia está acusando o senhor.
O juiz ficou constrangido
com minhas palavras diretas e objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e
reiterou o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo era verdade
e eis que veio a confissão.
Réu – Ahhh, agora sim que
eu entendi o que o senhor “meretrício” quer dizer. O juiz o interrompeu e
corrigiu na hora.
Juiz – Meretrício não,
meritíssimo.
Pensei comigo: o cara não
sabe o que é um peido vai saber o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá.
Vamos ver onde isso vai parar. E continuou o juiz.
Juiz – Muito bem. Agora
que o doutor Promotor já explicou para o senhor, que é acusado, o que tem para
me dizer sobre esses fatos? São verdadeiros ou não?
Juiz adora esse negócio
de verdade real.
Réu – Ué, só porque eu
soltei um pum o senhor quer me condenar? Vai dizer que o meretrício nunca
peidou? Que o Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu lado
nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz.
Nunca imaginei fazer uma
audiência por causa de uma denúncia de ventosidade intestinal. Até pum neste
País está sendo tratado como crime com tanto bandido, corrupto, ladrão andando
pelas ruas e o judiciário parou para julgar um pum. Resultado: pedi a
absolvição do réu alegando que o fato não era crime, sob pena de termos que ser
todos, processados, criminalmente, neste País, inclusive, o juiz que recebeu a
denúncia e a promotora que a fez.
Moral da história:
perdemos 3 horas do dia com um processo por causa de um "pum". Rio de
Janeiro, 10 de maio de 2012. Paulo Rangel (Desembargador do Tribunal de Justica
do Rio de Janeiro).
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