quinta-feira, 13 de junho de 2013



UM PUM QUE RESULTOU EM PROCESSO
Como prometi, segue a baixo a estória contada por um Promotor de Justiça que passou por maus bocados em uma audiência onde um “pum” resultou em processo. A estória é a seguinte: Um Promotor de Justiça do Rio de atendendo um pedido do Procurador Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público) da época ligou e pediu para “eu colaborasse com uma colega da comarca vizinha que estava enrolada com os processos e audiências dela. Lá fui eu prestar solidariedade à colega. Cheguei e combinamos que eu ficaria com os processos criminais e ela faria as audiências e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, naquele dia, eu fazer as audiências, aproveitando que já estava ali. Tudo bem. Lá fui eu para primeira audiência do dia: um crime de ato obsceno cuja lei diz:
Ato obsceno, Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Lendo os autos fiquei sabendo que um cidadão cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em palavras mais populares, soltou um "pum", dentro de uma agência bancária e o guarda de segurança incomodado, deu voz de prisão em flagrante ao cliente porque entendeu que ele fez aquilo como forma de deboche da figura do segurança, de sua autoridade. Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do Direito Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, de urbanidade, enfim… Imagina se todo pum do mundo se transformasse num processo? O cheiro dos fóruns seria insuportável. O réu era do interior com idade aproximadamente, uns 70 anos. Eis a audiência:
Juiz – Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade intestinal, depois de olhar para o guarda de forma debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que elas pudessem ficar na fila.
Esses fatos são verdadeiros?
Réu – Não entendi essa parte da ventosidade…. o que mesmo?
Juiz – Ventosidade intestinal.
Réu – Ah sim, ventosidade intestinal. Então, essa parte é que eu queria que o senhor me explicasse direitinho.
O Juiz não percebeu que o réu não estava entendendo nada do que ele estava dizendo.
Réu – O guarda estava lá, eu estava na agência, me lembro que ninguém mais ficou na fila, mas eu não roubei ventosidade de ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e trabalhador, doutor juiz “meretrício”.
O juiz se ofendeu de ser chamado de meretrício.
Juiz – Em primeiro lugar, eu não sou meretrício, mas sim meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo que o senhor roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. O senhor está me entendendo?
Réu – Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos.
Réu – Quais fatos?
O juiz nervoso como que perdendo a paciência e alterando a voz repetiu.
– Esses que eu acabei de narrar para o senhor. O senhor não está me ouvindo?
Réu – To ouvindo sim, mas o senhor pode repetir, por favor. Eu não prestei bem atenção.
O juiz, visivelmente irritado, repetiu a leitura da denúncia e insistiu na tal da ventosidade intestinal, mas o réu não alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar, embora não devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia estapafúrdia e descabida.
EU – Excelência, pela ordem. Permite uma observação? É só para dizer para o réu que ventosidade intestinal é um peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a promotora que fez essa denúncia está acusando o senhor.
O juiz ficou constrangido com minhas palavras diretas e objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e reiterou o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo era verdade e eis que veio a confissão.
Réu – Ahhh, agora sim que eu entendi o que o senhor “meretrício” quer dizer. O juiz o interrompeu e corrigiu na hora.
Juiz – Meretrício não, meritíssimo.
Pensei comigo: o cara não sabe o que é um peido vai saber o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá. Vamos ver onde isso vai parar. E continuou o juiz.
Juiz – Muito bem. Agora que o doutor Promotor já explicou para o senhor, que é acusado, o que tem para me dizer sobre esses fatos? São verdadeiros ou não?
Juiz adora esse negócio de verdade real.
Réu – Ué, só porque eu soltei um pum o senhor quer me condenar? Vai dizer que o meretrício nunca peidou? Que o Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu lado nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz.
Nunca imaginei fazer uma audiência por causa de uma denúncia de ventosidade intestinal. Até pum neste País está sendo tratado como crime com tanto bandido, corrupto, ladrão andando pelas ruas e o judiciário parou para julgar um pum. Resultado: pedi a absolvição do réu alegando que o fato não era crime, sob pena de termos que ser todos, processados, criminalmente, neste País, inclusive, o juiz que recebeu a denúncia e a promotora que a fez.
Moral da história: perdemos 3 horas do dia com um processo por causa de um "pum". Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012. Paulo Rangel (Desembargador do Tribunal de Justica do Rio de Janeiro).

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